OPINIÃO | O Benfica precisa de uma revolução

OPINIÃO | O Benfica precisa de uma revolução

Quando era criança, no início dos anos 90, ao chegar ao Estádio da Luz, sentia um impacto que me estremecia. Ali estava o gigante de betão onde sabia que o Benfica tinha vencido mais de 20 campeonatos, onde teve caminhadas para títulos europeus e noites épicas com mais de 120.000 adeptos. Entrava na antiga sala dos sócios e via velhotes que tinham visto Eusébio e o Benfica campeão europeu. Havia quadros na parede com essas equipas e essas epopeias. Entrava no pavilhão Borges Coutinho e ali estava Carlos Lisboa ou as grandes equipas de hóquei dos anos 90. No relvado havia Mozer, Veloso e Vítor Paneira. Sabia que o Benfica era forte, era um gigante e falava-se tanto de mística. Da mesma maneira que tentamos explicar aos estrangeiros o que significa a palavra saudade, no Benfica ensinava-se aos mais jovens a palavra mística. Agora já ninguém fala na mística do Benfica…

Penso naqueles velhotes a jogar às cartas na antiga sala dos sócios e que se lhes dissesse que nos próximos 30 anos o Benfica só iria vencer 8 Campeonatos e 3 Taças de Portugal e, pior ainda, que isso seria visto pelos benfiquistas com uma certa normalidade, que eles iriam-se levantar aos gritos e com ameaças de estaladas para o jovem gaiato não estar a dizer disparates. E rapidamente iriam para a entrada do Estádio da Luz, aquela imperial entrada com a águia e o placar vermelho a dizer “Estádio Sport Lisboa e Benfica” debater o clube durante horas. Era ali que se fazia a Democracia Benfiquista. E quando os jogadores saíssem dos balneários em direção ao campo de treinos ouviriam das boas, mesmo que os coitados não percebessem nada do que os velhotes queriam dizer com campeonatos perdidos no futuro.

Sou nostálgico por natureza. E devo parar de o ser. Porque o Benfica já viveu demasiado o seu passado glorioso e tem que olhar é para o futuro. Tenho de largar a recordação cor-de-rosa e enfrentar a dura realidade. Esses velhotes que dariam estaladas são os mesmos que depois votaram em Damásio e Vale e Azevedo. Os filhos dos velhotes são os mesmos que entraram no síndrome de Estocolmo de votar em Luís Filipe Vieira consecutivamente porque “deves querer voltar ao Vietname” ou “antes nem as pedras da calçada eram nossas”. Os netos dos velhotes votaram em Rui Costa, que manteve consigo toda ou praticamente toda a direção de Luís Filipe Vieira. Entra-se naqueles corredores e gabinetes da Luz e a maioria daqueles dirigentes, diretores e secretários estão ali há 10 ou 20 anos. E até eu sou muito mais crítico quando o Benfica perde campeonatos e tapo o sol com a peneira quando o Benfica vence ocasionalmente. O ano passado não fazia eu aqui no zerozero este tipo de reflexões sobre o panorama geral do clube, porque estava embriagado com a alegria do 8º título em 30 anos. Em maio de 2023 não escrevi que a prometida auditoria deixa muitas dúvidas, que os estatutos ainda não foram alterados, que não deixam os adeptos aproximarem-se da equipa ou que há diretores no Benfica que se sentem donos do clube.

A eleição de Rui Costa foi a promessa de algo novo, mas é uma Primavera Marcelista. O que o Benfica precisa é de um 25 de Abril. Também com cravos, não com violência nem ameaças. E esta revolução é de pessoas, mas também de mentalidade. Acredito mesmo que Rui Costa e restante entourage deve dar a sua vez a outros. Mas também é preciso que outros se comecem a posicionar. Onde está oposição forte? Quem é o “D. Sebastião” que se segue? E depois de nova direção, não está o trabalho feito. Aliás, começa aí a remontada…

O Benfica precisa de encher os seus quadros, de alto a baixo, do futebol às restantes modalidades de ideias novas e gente competente. Precisa de alterar os seus estatutos para um regresso pleno e são à Democracia Benfiquista. Precisa de parar de se preocupar tanto em celebrar vendas e lutar para manter os seus melhores jogadores, principalmente os que são da cantera. Precisa de renovar o Estádio da Luz e melhorar o ambiente dos jogos. Incentivar o regresso das bandeiras, do ânimo e dar a iniciativa aos adeptos para que cantem e voltem a criar uma envolvência que honre a expressão “Inferno da Luz”. Precisa de acertar muito mais nos treinadores e jogadores que escolhe. Precisa de ter uma muito maior mentalidade competitiva para que até nos anos em que não é campeão (e com certeza ninguém pede que o Benfica ganhe sempre. Não pode é perder quase sempre!), ganhe outros troféus. Precisa de vender a derrota muito, mas muito mais cara que a vende atualmente, em que perde e há um coletivo encolher de ombros. Adeptos barafustam um pouco e vão para as roulotes beber cerveja, jogadores dizem que “é preciso levantar a cabeça”, Presidente vai para a BTV dizer um inócuo “assumo a responsabilidade” e no dia seguinte no pasa nada…

Ou então nada disto se vai passar e vai ficar tudo na mesma. Para o ano Rui Costa é o Presidente, os restantes dirigentes são os mesmos, o treinador é o mesmo, os jogadores são os mesmos, a mentalidade é a mesma, os estatutos são os mesmos e os adeptos sentados nas bancadas da Luz calados ou a assobiar são os mesmos.

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